domingo, 7 de dezembro de 2008

em anos de crise a economia informal é uma belíssima almofada social e nos outros também

No essencial, a história recente deste país tem sido feita por um enorme naipe de homens que subiram a corda da vida a pulso …

O aguinaldo é um desses homens. Um homem que cedo avistou Dom Sebastião ali para as bandas da margem sul …
Aguinaldo começou a vida com pouco; um tasco de refeições em Alcochete e uma registadora. A dita máquina fazia uma marosca e o Aguinaldo era um homem particularmente jeitoso a lidar com ela. Um código que só o ele sabia, fazia parar a fita de controlo, permitindo-lhe assim abifar metade das refeições do dia …
O Aguinaldo que nunca foi burro tratou logo ao fim dum anito de trocar o Ford Escort por um vistoso Mercedes 190 a gasóleo, com tablier a imitar nogueira. Tablier esse que lhe granjeou invejas mas também prestigio e influência junto dos vizinhos na Cruz de Pau …
Ao fim do terceiro ano o Aguinaldo já havia comprado um T1 em Benfica, à filha Gerosinda, que tinha entrado numa faculdade privada em Lisboa não sem antes ter obrigado a rapariga a arrendar a sala a uma colega …
Ao final do quarto ano dá finalmente uma alegria à mulher que o ajuda na cozinha de 2 metros quadrados do tasco e que desde que haviam casado, nunca soubera o que eram umas férias, comprando um T2 na Praia da Rocha a uma cliente que entretanto vira o marido adoecer gravemente, e que, desesperada aceitou a pechincha que o Aguinaldo ufanamente lhe acenara em dinheiro vivo …
A meio do quinto ano, o filho mais novo que sempre fora um calinas na escola, deixa o Aguinaldo orgulhoso ao confessar-lhe não querer continuar a estudar. Parece que o miúdo teria tido uma visão e sentira um chamamento. Além disso teria engravidado a namorada de 16 anos, filha do Presidente da Junta do Samouco. Aguinaldo reconhecera de imediato aqueles sinais. O miúdo iria ser um entrepreneur da restauração e das registadoras como ele …
Aguinaldo prontificou-se a tomar de trespasse uma pastelaria na Amora para dar sociedade filho e em simultâneo montou um salão de estética à futura nora, ganhando assim a alguns favores junto do seu futuro compadre …
A coisa corre tão bem que por volta do sétimo ano, o Aguinaldo que já trazia uma empregada de mesa Brasileira, Denise de sua graça e com a graça duns escassos 26 anos, debaixo de olho, comunica o lay-off à mulher. Dizendo-lhe que ia sendo tempo de ela ir para casa descansar porque a vida eram dois dias e o carnaval estava à porta …
Passados mais uns anos o Aguinaldo que teria comprado uns lotes de terreno em Sesimbra resolve urbanizá-los, mandando construir umas vivendas. Dadas as dificuldades em legalizá-las junto da edilidade e com os compradores já alinhados, pensou que era chegada a altura de cobrar uns favores ao seu compadre Presidente de Junta. Se bem pensou, melhor o fez. A legalização dos lotes que parecia poder vir a ser um calvário, tornou-se pelos bons ofícios do seu compadre em algo que poderia ser descrito como uma tarde de Domingo bem passada; uma ida ao Estádio da Luz ver o seu clube golear …
Claro, que para conforto do compadre teve de oferecer uma das vivendas ao filho e à nora, e entregar a receita da venda de outra ao compadre para que este pudesse confortar também alguns correligionários dos serviços da câmara.
Aos 46 anos, o Aguinaldo já com o sonho da sua vida concretizado; a melhor vivenda da charneca da Caparica que funcionava como morada de família e para onde havia desterrado a mulher durante o dia e parte das noites, e um considerável património imobiliário espalhado por vários concelhos a sul do Tejo, vê Denise, com quem tantos e bons amassos (uns menos sub-reptícios que outros) havia trocado, comunicar-lhe que também ela queria a sua reforma dourada. Parece que a rapariga se tinha apaixonado pelo mais recente T4 que Aguinaldo havia comprado na Costa da Caparica em segunda linha de mar bem como pelas juras de amor eterno feitas pelo Presidente da Junta do Samouco, entretanto divorciado. Parece que a rapariga cansada de servir às mesas já se via a primeira dama do Samouco.
Aguinaldo que sempre se havia gabado de que ninguém jamais lhe tinha passado a perna, despede Denise e corta relações com o compadre.
Quatro meses após ter despedido Denise, recebe a visita dum fiscal da Inspecção do Trabalho, que lhe abre um processo por causa duma recentemente admitida empregada de mesa de leste legal no país mas sem contrato de trabalho. Uma semana depois é visitado pelas brigadas da Asae que o intimam a profundas obras de remodelação. Como corolário do aforismo popular de não existirem duas sem três, é visitado na mesma semana por um fiscal das finanças …

Choroso pelos recentes acontecimentos, perguntava-me o Aguinaldo certa tarde se eu já me tinha dado conta que vivia num país de gatunos? Apesar de achar que o Aguinaldo estava cheio de razão, compus a cara, ajeitei um ar sério e disse-lhe: Ó Aguinaldo também não exagere homem …

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